Análise Morfológica: para quê?
- fabiaraujoletras
- 13 de out. de 2015
- 3 min de leitura
Todo mundo que já conviveu com crianças pequenas e observou o modo como elas aprendem a falar é capaz de perceber que existe um certo padrão nesse lindo processo. Tudo começa, em geral, com aquelas expressões às quais chamamos onomatopéias, que representam os sons que elas associam a algum objeto ou evento. Se elas desejam se referir a um cachorro, dizem "au au", quando querem dizer "carro", dizem "vrrummm" e assim por diante.
Um pouco depois, ou ao mesmo tempo, elas começam a pronunciar as palavras que ouvem dos adultos e crianças maiores e aprendem a associar algumas às coisas e eventos da vida. "Mamãe" (em todas as suas variantes - "má", "mamá", "mamã" etc) é uma das primeiras, por razões óbvias e é muito interessante verificar que em muitas línguas a sua pronúncia é bastante parecida!
É comum também ver as crianças pequenas inventando nomes que não existem para as coisas ou mesmo decidindo que uma mesa não se chama mais "mesa" e sim "batuk", por exemplo... O que elas estão aprendendo nesse momento? Elas estão brincando e ao mesmo tempo aprendendo que a língua portuguesa, a nossa língua, é algo criado pelas pessoas! É algo que possui uma origem (muitas vezes incerta) e que vem sendo construído há muitas gerações até chegar ao sistema de linguagem que usamos hoje.
Passar do mundo das onomatopéias, mais instintivo e direto, para o mundo cultural, onde é possível criar com os sons e as palavras, é um grande passo, não é verdade?
Mantendo o olhar atento, podemos também perceber ao longo dos anos que as crianças parecem identificar bem cedo quais palavras de cada sentença representam ideias que são centrais e que concentram em si as informações principais. Por isso, acabam aprendendo a utilizá-las primeiro.
De fato, existem grupos ou classes de palavras que são, geralmente, as primeiras a serem apreendidas pelas crianças pequenas. Do mesmo modo, existem aquelas palavras que estão entre as últimas que elas começam a usar de forma consciente. Em geral isso acontece com as palavras que agem como ponte, elo ou ligação entre as demais, como as preposições, por exemplo.
Todo o processo de aprendizagem da fala pelo qual as crianças passam é construído, dentre outras coisas, também sobre as classes das palavras, justamente porque elas têm uma capacidade incrível de compreender a estrutura da nossa língua desde bebês. Compreendemos que há alguns tipos de palavras que associamos a coisas concretas e visíveis, palavras que associamos a ações ou atos e que sofrem flexão, palavras que associamos a quantidades, palavras que associamos a qualidades ou características das coisas e pessoas, palavras que servem para indicar a direção de outras e assim por diante. Essas classes são as classes gramaticais, um objeto de estudo e de interesse da sociedade ocidental há muitos e muitos anos.
Se você acompanhou os tópicos de Análise Sintática que desenvolvemos até aqui, já compreendeu que as palavras exercem papéis (ou funções) específicos dentro das frases. Entendeu também que esses papéis podem, para facilitar nossa compreensão, serem nomeados, agrupados e classificados, dependendo do contexto onde se inserem.
Mas as palavras também podem ser estudadas separadamente, segundo o modo como foram formadas e como se estruturam internamente. Da mesma forma, podem ser agrupadas segundo o papel que representam fora das frases. É como se observássemos todas elas separadamente, cada uma como uma unidade e com uma construção única, dotada de suas próprias capacidades e limites e também de suas próprias origens.
Tudo isso, enfim, é o que estudamos em Morfologia e é por ela ser um estudo de tanto interesse que faz parte do currículo escolar a Análise Morfológica.
O grande problema é que o modo como as escolas tradicionais tentam ensinar as crianças a analisar as palavras morfologicamente é, para ser bem sincera, horrível! São mil regras e classificações e um tal de decorar todos os nomes possíveis de substantivos coletivos, tipos de prefixo e sufixo, exercícios repetitivos e cansativos... E para que perder esse tempo, se o mais importante é ter muito contato com a leitura, a contação de histórias, com as nossas canções? E para que, se o estudo da Gramática deveria servir para aprofundarmos nossa compreensão sobre a linguagem, e não para a gente decorar coisas que podem ser facilmente consultadas num dicionário?
Mas voltemos às crianças. Amanhã, falaremos mais sobre elas e sobre a classe gramatical que aprendem mais rapidamente: a classe dos substantivos!
Um abraço e até lá!
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